É inegável a qualidade que há no universo da música brasileira. Temos uma história repleta de ótimos compositores, e de estilos que sendo únicos em nosso país são referência para muita gente mundo à fora. E produzimos até hoje muitos artistas que, influenciados por essa musicalidade peculiar, continuam renovando e dando sequência ao legado da nossa música popular. O samba misturou-se a bossa nova, e hoje é combinado a tantos outros estilos quantos forem possíveis. A MPB ganha a cada dia novos representantes, que em sua criação seguem homenageando essa rica genética. Mas não é só de música brasileira que é feita a música brasileira, e a banda que tive o prazer de assistir no último sábado é um dos mais agradáveis exemplos disso.
Fui ao teatro Paiol para o lançamento do novo disco da banda curitibana Rosie and Me (rosieandmemusic.com), “Arrow of my ways”. Banda que conheci num show realizado ano passado nas Ruínas do Largo, em que várias bandas se apresentaram em manifesto realizado pela reabertura da Pedreira Paulo Leminski, um dos melhores espaços para grandes shows que há Brasil. Poderia falar mais sobre o manifesto, mas a indignação que o motivou é para mim demasiada evidente para necessitar explicações. O fechamento da pedreira é apenas mais uma prova de como a representatividade dos cidadãos é proporcional ao status social, preponderando sempre a vontade de poucos sobre o bem maior. Mas pelos últimos acontecimentos talvez consigamos que essa situção seja coerentemente resolvida.
Naquela oportunidade o som dessa banda já havia encontrado em mim a receptividade dos sentidos. Foi com certeza uma das melhores apresentações que eu e o Renaclo conseguimos ver naquele dia (entre as frequentes idas ao bar para comprar cervejas), juntamente com o show da ótima Supercolor, que sempre vale a pena.
Mas a Rosie and Me não foi buscar entre nosso repetório nacional suas principais referências. É uma banda brasileira que, como muitos de nós, tem sua sonoridade fundamentalmente influenciada pela música que vem do hemisfério norte. Eles fazem um country/folk (e sou completamente indiferente aos rótulos), com letras em inglês, e com um autêntica qualidade artística.
Logicamente não estou defendendo preferências, se as nacionais ou estrangeiras, porque somos, desde há muito, influenciados por ambas. E entre elas, a diversidade de preferências é clara, e por mais que as vezes a qualidade da preferência particular seja duvidosa, a diversidade é o que torna o universo da música tão amplo. Gosto de música que demonstre significado, e conexão com as coisas sentidas. A arte é afinal, extrarir do habitual sensações que se tornem abrangentes aos seus interlocutores. Transportar realidades. E a Rosie and Me faz isso. A ponto de serem reconhecidos, entre os gringos mesmo, como surpreendentes revelações de um estilo musical que supostamente não lhes seria natural, por serem brasileiros.
“Arrow of my ways” tem uma produção fina, com arranjos simples e de muito bom gosto, sem exageros, sem excessos ou poluição. Boas melodias, e letras que deixam claro que Rosanne Machado tem na música um canal de sua expressão pessoal, e de sua sensibilidade.
Gostei de várias músicas deste cd, somando a algumas do primeiro ep (“Bird and Whale”) meu repertório predileto da banda, mas entre as preferidas estão com certeza a comovente “Light you up”, e “Southern home”, que além de ter uma belíssima letra, é também uma homenagem a Curitiba, este nosso lar do sul.
Destaco Rosie and Me pois sua música me faz sentir, e lembra que mesmo sobre o asfalto, ou por entre a paisagem de concreto, nossos corações ainda não foram pavimentados.